Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 27 de março de 2024

Ao ritmo do silêncio de Jesus...na paixão

 

A ‘Semana Santa’ é o tempo da experiência, em Igreja, do grande silêncio de Deus em nós e através de nós: calam-se as palavras e ficam os gestos; deixa-se de falar e passamos a escutar; criam-se condições de entrarmos em contemplação; a natureza ajuda - o frio, a chuva e o vento - dão-nos espaço e oportunidade de sentirmos com Jesus, de acertarmos por Jesus e de deixarmo-nos ritmar pela cadência espiritual em Jesus.

O tempo da quaresma foi (ou é) de longas e demoradas leituras e pregações: passagens de entronização às verdades essenciais para renovarmos a graça do batismo - e onde se dá o caso com a celebração do batismo de adultos, na vigília pascal - no hoje da nossa caminhada.
De uma forma quase paradoxal vemos que Jesus perde a voz, quando entra no processo da sua paixão-morte: cala-se diante de Anás e Caifás, silencia-se perante Pilatos, deixa de falar quanto mais O acusam, não se queixa nem regateia qualquer direito. Isso gera para além de admiração algum constrangimento nos seus interlocutores.
Muitos dizem que o silêncio fala mais alto do que as palavras, mas, no caso de Jesus, contribuiu para que o seu processo fosse desencadeado até ao desfecho final, no alto da Cruz...onde o silêncio do Pai é altissonante e quase nos faz cair de rosto por terra, à semelhança de Moisés no monte da revelação

1. Por razões diversas sinto que, neste tempo de proximidade à Páscoa, devo calar-me, ficando apenas na riqueza dos gestos e nas incisivas palavras da liturgia. Para alguns poderá parecer uma desculpa, para outros uma defesa e outros tantos como tendo a possibilidade de ser algo que não deixe que aquilo que pudesse ser dito tenha menos boa (ou até má) interpretação.

2. Nesta feira da verborreia (dita, escrita, nas dtas redes sociais ou nas conversas) em que, de tantas formas andamos entretidos, Jesus ensina-nos a calar/silenciar, não por amuo ou como estratégia de medo, mas como atitude de vida, onde se pode e se deve saborear o que não passa, decantando o que marca com sinete de profundidade.

3. O Jesus do silêncio pode alimentar quem dele colher as lições mais básicas: nunca por nunca devemos usar as palavras para entreter o que devíamos dizer com o mínimo de verbalização, interiorizando aquilo que marca com força e que alimenta nas horas de provação.

4. Eis um excerto do catecismo da Igreja católica, citando um belíssimo texto de uma homilia de sábado santo, rezada na liturgia da horas:
«Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o rei dorme. A terra estremeceu e ficou silenciosa, porque Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há séculos [...]. Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai libertar Adão do cativeiro da morte. Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu filho [...] "Eu sou o teu Deus, que por ti me fiz teu filho [...] Desperta tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos: levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos"» (n.º 635).

5. Olhando a Cruz podemos e devemos, com Jesus e por Jesus, ficar em silêncio, esse que preenche a alma, alimenta o espírito e equilibra o corpo. Queira Deus dar-nos a graça do silêncio, ao sabor do seu Espírito, hoje como ontem. Das palavras vazias e ocas, livrai-nos, Senhor!



António Sílvio Couto

domingo, 24 de março de 2024

Em ritmo de Semana Santa, hoje


 Em ordem a esclarecermos alguns aspetos relativos a esta semana que antecede a Páscoa.

Vamos abordar a questão em forma de pergunta.
- O que é Semana Santa?
A Semana Santa visa recordar a Paixão de Cristo, desde sua entrada messiânica em Jerusalém. Pela manhã da Quinta-feira da Semana Santa, o Bispo, concelebrando a Missa com os seus presbíteros, benze os santos óleos e consagra o crisma.
- De que consta o tríduo pascal?
Como o Cristo realizou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus principalmente pelo seu mistério pascal, quando morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando renovou a vida, o sagrado Tríduo pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor resplandece como o ápice de todo ano litúrgico. Portanto, a solenidade da Páscoa goza no ano litúrgico a mesma culminância do domingo em relação à semana.
O Tríduo pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor começa com a Missa vespertina na Ceia do Senhor, possui o seu centro na Vigília Pascal e encerra-se com as Vésperas do domingo da Ressurreição.
Na Sexta-feira da Paixão do Senhor, observe-se por toda a parte o sagrado jejum pascal. E, onde for oportuno, também no Sábado Santo até à Vigília Pascal.
A Vigília pascal, na noite santa em que o Senhor ressuscitou, seja considerada a "mãe de todas as santas vigílias", na qual a Igreja espera, velando, a Ressurreição de Cristo, e a celebra nos sacramentos. Portanto, toda a celebração desta sagrada Vigília deve realizar-se à noite, de tal modo que comece depois do anoitecer ou termine antes da aurora do domingo.
- De que consta a ‘quinta-feira santa’?
Digamos que a ‘quinta-feira santa’ tem duas partes diferentes e complementares - na manhã dá-se a ‘missa crismal’ e, ao final do dia, temos a celebração comemorativa da instituição da eucaristia, onde o ritual do lava-pés é mais do que gesto, mas contém um desafio, hoje como ontem...
- Quais as principais marcas da ‘sexta-feira santa’?
A solene vivência da ‘adoração da Cruz’, antecedida da longa leitura da paixão segundo São João, fazendo-nos entrar no mistério da paixão de Jesus, ontem como hoje...
Embora em certos lugares ainda se faça, na tarde/noite da ‘6.ª feira santa’ a via-sacra, como por exemplo em Roma, deveríamos dar tempo à meditação de todo o processo de Jesus, ainda mais do que andarmos a fazer o (pretenso) ‘enterro do Senhor, num ritual onde muitos dos que participam nem conheciam o ‘o morto’...
- Que dinâmica vivemos no ‘sábado santo’?
Antes de mais é o tempo do grande silêncio, que será desperto na vigília pascal, celebrada ao cair da noite. Encontramos quatro ‘liturgias’ nesta celebração:
- liturgia da luz
-liturgia da Palavra
- liturgia batismal
- liturgia eucarística.
A tonalidade da Ressurreição perpassa todo o ambiente e não só se fica pelo usufruir da gastronomia tradicional desta época.



António Sílvio Couto

terça-feira, 19 de março de 2024

S. José – dia do pai: desapertar o coração

 


«Olhando para o mundo hodierno, verificamos que é já um lugar comum reconhecer o enfraquecimento das relações dentro e fora da família. Estamos submetidos ao império da tecnologia, da informática, da inteligência artificial. Perdemos o sentido de viver em comum e contentamo-nos com relações protocolares e vazias de significado. Tornamo-nos frios e distantes, mesmo que a viver lado a lado ou comendo à mesma mesa. Parecemos ilhas ou bolhas fechadas, no mundo de um egoísmo despótico e desprezador onde o “essencial é invisível aos olhos”. Faltam-nos presenças, palavras, carinho, ternura, compaixão, em suma, gestos que mostrem sem-vergonha nem complexos que nos queremos verdadeiramente bem pois nos amamos apaixonadamente e sem receio de o mostrar e manifestar».

Este excerto da mensagem para o ‘Dia do Pai’, da Comissão Episcopal do Laicado e Família, sob o título: despertar o coração.

1. Por ocasião da celebração litúrgica de São José – mesmo ou até em tempo da quaresma – somos chamados a parar sobre esta realidade humana e espiritual do ‘ser pai’. Embora se pretenda dizer, em certos meios e para algumas correntes, que o pai está em crise, ele continua a ser uma referência de todos e para todos, sobretudo dos que se dizem (e procuram ser) cristãos.

2. Perante uma certa orfandade mais ou menos psicológica, substituída por terminologias de duvidosa qualidade, como é a de ‘ideologia de género’, usando ‘progenitor a’ ou progenitor b’, faltará um razoável equilíbrio nos descendentes, se lhe for capturada a presença do pai ou agravada pelo menos boa função de algum em concreto. Certas disfunções – na linguagem mais clássica – de pai não podem ser apresentadas como modelo de nenhum projeto educativo, que tenha por base a inter-comunhão de gerações e o diálogo necessário de todos com todos.

3. Por muito qualificada que seja a educação dada só pela mãe, a ausência do pai trará consequências que emergirão em certas fases do desenvolvimento dos filhos. As famílias monoparentais são um remendo, nunca uma solução. Que dizer dos ‘órfãos de pai vivo’, mas que não prestam atenção aos filhos?

4. Não será inocente a propagação de certas notícias que aviltam a figura e a função de pai: a dita violência doméstica pode criar maior insegurança nos filhos e deixá-los à deriva, sobretudo em idades que precisam de referências e de presença. Como se diz na mensagem da comissão episcopal: ”Sendo “pai”, o agir com o coração pode exigir maior presença silenciosa e despretensiosa que estimula, sem impor relacionamentos. Tudo muito mais sereno e calmo, mais positivo e propositado, feito de sinais que nada pretendem nem esperam”.

5. Ninguém duvida que muitos pais precisam de desapertar o seu coração para amarem com ternura e simplicidade os seus filhos e filhas. Precisamos de pais que se emocionam e que choram com os filhos e pelos filhos, seja qual for a idade ou as circunstâncias. Se não chorarem com eles poderão vir a chorar por eles. Temos São José por modelo e ajuda...



António Sílvio Couto

sexta-feira, 15 de março de 2024

Adoramos pobrezinhos, é pena é o cheiro

 




Uma cantora bastante badalada na nossa praça resumiu a sua avaliação dos resultados das eleições do passado dia 10 de março e lançando um slogan para quem venha a governar: ‘adoramos pobrezinhos, é pena é o cheiro’!

Algo ainda mais encriptado foi a ligação que ela fez àqueles, da sua família, que se sacrificaram e fizeram a revolução de abril, deixando escapar a observação: ‘ receio que a coragem se tenha vindo a gastar com o tempo e tenhamos dado a liberdade como garantida’.

1. É notório que os resultados das últimas eleições tenham baralhado muitas mentes, sobretudo aquelas que estavam formatadas para ler e interpretar tudo em quadro de esquerda ou a roçar a grelha dialético-marxista mais primária. Para muitos sempre assim foi e para eles sempre assim seria. Boa parte da comunicação social tem vivido com esse esquema subjacente e tirá-lo da execução ‘literária’ confunde e quase aterroriza. São todos muitos democratas, mas seguindo a sua cartilha e devocionário de preferência… há anos!

2. Efetivamente fizeram de nós – como povo e, na sua linguagem, como indivíduos – uma espécie bem comportada, se guiada pelos clichés de ‘direita’ e de ‘esquerda’, como se isso resolvesse todos os problemas das pessoas. Estas, por vezes, funcionam como números e, ocasionalmente, têm rosto se se lhes pretendem impingir algum produto pré-fabricado na empresa do Estado.

3. De forma séria e sensata precisamos de voltar a questionar os interesses que motivam tantos dos agentes políticos – seja qual for a instância – na medida em que se notou, na noite eleitoral, que muitos viram esvair-se o seu lugar de emprego ou a perderem as benesses adquiridas em tempos de maior fulgor da sua ideologia. De facto, foi revelador do que estava em causa nas eleições de 10 de março, as imagens e as palavras e ordem dos dois maiores partidos em concurso: uns clamavam por ‘Portugal’ e outros suplicavam pelo seu ‘partido’… Os resultados mostraram as pretensões!

4. Estamos e estaremos por muitos meses, até que chegue o tempo de voltar a haver eleições, num impasse. Parece que ninguém tem razão e todos se acham senhores de se apropriarem desses que dão votos e fluam ao sabor dos acenos malfazejos: os tais ‘pobrezinhos’, mesmo que cheirem mal, sejam incómodos com as suas exigências e reais direitos ou não exibam o perfume que nos consola e inebria. Confesso que me cria admiração e ao mesmo tempo repulsa ver que muitos dos agentes políticos sejam tão hábeis disfarçados para se manterem no poder…

5. Mais uma vez me vêm à lembrança os números da pobreza, o valor do salário mínimo, a demonstração do vencimento médio e o (pretenso) nível de vida dos portugueses. Adicione-se a isso a vaga de migrações – os que chegam e os que partem – com a particularidade de já haver muitos portugueses que não fazem certos serviços, deixando-os para os que chegam e são mais mal pagos.

[Nota de arrepio]

Estava a escrever este texto quando tive de ir a Lisboa esperar uma pessoa que vinha de Coimbra. Segundo o telefonema, o senhor chegaria à ‘estação do Oriente’… Preveni o tempo suficiente de estar no local de chegada. Porque tinha espaço resolvi dar uma volta pelo ‘mundo’ em redor… Desci umas escadas que davam acesso ao metro e sob a estação do caminho-de-ferro. Surpresa: de repente dei comigo diante de mais de duzentos metros de pessoas, de um de outro lado, da longa galeria numa espécie de camas, onde se viam pessoas enroladas, era por volta do meio-dia, outros zicando o telemóvel e tantas ‘camas’ à espera de quem venha ocupá-las na hora do sono… Todos passavam impávidos e serenos como se aquelas pessoas – muitas delas migrantes – acolhendo-se à sombra do anonimato e longe dos holofotes dos interessados nos pobres.



António Sílvio Couto

terça-feira, 12 de março de 2024

CHEGA - Como Havemos de Entender Grande Aluvião?

 

O dia 10 de março vai passar a constar nas datas significativas da política portuguesa, pois, no ano de 2024, deu-se um forte aluvião sócio-político, quando um partido conseguiu mais de um milhão de votos de forma transversal por todo o país. O que explica que um partido, aceite pelo Tribunal Constitucional em 2019, ano em que elegeu um deputado com 1,29% (67.826 votos); nas legislativas de 2022 conseguiu 12 deputados, com 7,18% (399.510 votos); em 2024, 1.108.764 de votos (18,06%), conseguindo eleger 48 deputados, em todos os círculos eleitorais, à exceção de Bragança?

Este aluvião político chama-se ‘Chega’ e reclama-se de direita, enquanto outros o designam de extrema-direita radical. Embora possa ser visto como um partido unipessoal, pois só o chefe-presidente-fundador brilha e é atacado sem apelo nem desagravo pelos outros concorrentes partidários, a maioria da comunicação social e a quas totalidade dos comentadores, que o diabolizam, não se sabe por medo se por respeito ou, sei lá, por desdém mal digerido. De referir que André Ventura candidatou-se às eleições presidenciais de 2021, tendo conseguido 11,9% (496.773 de votos).

1. Estamos perante algo de alcance social, político e mesmo cultural que nos deve fazer refletir a todos, pois, em Portugal, não podemos reduzir tudo a chavões mais ou menos ideológicos eivados e promovidos por forças que só entendem a sua linguagem e acarinham, preferencialmente, os que são da sua simpatia.
Por uma questão de princípio declaro que não me revejo na leitura, nas propsoats e tão pouco nos métodos deste partido recém-elevado aos píncaros do sucesso...

2. Há temas e questões que foram trazidos à vida pública, por esta formação partidária, que merecem não ser neglienciados ou estaremos a considerar desrespeitosamente quem nele votou, seja como forma de protesto, como afirmação das suas posições ou até mesmo dando a entender que todos contam de forma igual e não há cidadãos mais importantes do que outros só porque pensam de forma diferente de certas maiorias de conveniência...

3. Estamos a iniciar uma nova etapa da nossa democracia, cinquenta anos depois: os eflúvios marxistas que pontificaram durante bastante tempo nota-se que umas tantas esmorecem e, nalguns casos, quase se extinguem. Apesar de serem forças barulhentas - na rua e na comunicação social - precisam de aprender a interpretar os momentos em que já não representam a maioria sociológica.

4. Como sempre é necessário respeitar os outros, mesmo que sejam derrotados. Com efeito, é na vitória que se conhece o estofo moral dos vencedores, mesmo no trato para com os vencidos. Cada vez mais os ciclos políticos são de curta duração e torna-se essencial aprender nas derrotas como fazer destas algo que possa propulsar para outras vitórias. Nitidamente a partir de 10 de março os métodos, os conceitos, as questões e as propostas de todos quantos se pretendam apresentar a serem escurtinados em eleições têm de ser revistos. Ninguém pode dar lições a ninguém, antes todos devem aprender com tantos erros e potenciar algumas das possibilidades atuais e futuras.

6. Mesmo que forma não pretensiosa citamos as Sagradas Escrituras: «Há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu: tempo para nascer e tempo para morrer; tempo para plantar e tempo para colher; tempo para matar e tempo para curar; tempo para destruir e tempo para construir de novo; tempo para chorar e tempo para rir; tempo para ficar triste e tempo para dançar de alegria; tempo para espalhar pedras e tempo para ajuntar pedras; tempo para abraçar e tempo para deixar de abraçar; tempo para procurar e tempo para perder; tempo para guardar e tempo para jogar fora; tempo para rasgar e tempo para costurar; tempo para calar e tempo para falar; tempo para amar e tempo para odiar; tempo para lutar e tempo para viver em paz» (Ecl 3,1-8).



António Sílvio Couto

sábado, 9 de março de 2024

Eleições em tempo da Quaresma

 

A vivência da Quaresma deste ano está marcada pelo chamamento a votar nas eleições legislativas antecipadas. Desde o princípio de novembro - com a demissão do chefe de governo - que temos estado em ambiente de campanha eleitoral, mas nos últimos dias vivemo-lo com maior intensidade.

Que relação, de fundo, podemos estabelecer entre estas duas realidades, por agora coexistentes? Ambas nos chamam a refletir com maior atenção não quanto ao presente, mas sobretudo quanto ao futuro, Se a quaresma contém o apelo à conversão, as eleições comportam desafios e tomadas de decisão de todos e para cada um.
Olhemos, mesmo que de forma breve, algumas das incidências em vivermos a quaresma com atenção e as eleições com resolução, tendo por referência a Nota pastoral do conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesas, de 20 de fevereiro último, intitulada: ‘Eleições Legislativas 2024: Restituir a esperança aos cidadãos’.

a) Assuntos mais prementes
«Os últimos meses foram abundantes em crises que adensaram a desconfiança dos portugueses em relação às instituições, em particular na esfera política e judicial. Às difíceis condições de vida de tantos portugueses, em especial dos jovens, esta crise de confiança rouba a esperança a tantos que não conseguem encontrar trabalho e, quando o encontram, o seu rendimento é insuficiente para terem uma vida digna: ter habitação, acesso à educação ou dinheiro para pagar as despesas. Vivemos um momento difícil, mas desafiador. Diante das dificuldades, somos convocados pelo momento que o país vive a refletir sobre o que queremos e podemos fazer pelo nosso futuro» (n.º 2).
Tivemos tempo para refletir sobre estes assuntos ou andamos distraídos com ‘acusações’ pouco edificantes de uns contra os outros? Não teremos sido manipulados com certos temas, deixando de fora outros mais essenciais?

b) Responsabilidades
«A responsabilidade é de todos, dos políticos e de quem os elege, dos que definem projetos e de quem faz escolhas, daqueles que apresentam propostas e de quem se preocupa em delas ter conhecimento para votar conscientemente. Escolher quem nos representa no Parlamento é um dever de todos e ninguém deve excluir-se deste momento privilegiado para colaborar na construção do bem comum. A abstenção não pode ter a palavra maioritária nas [próximas] eleições» (n. 5).
Quando, há mais de cem anos, Nossa Senhora se manifestou, em Fátima, disse-nos: não ofendam Deus nosso Senhor que já está muito ofendido! Já tomámos consciência do acrescento de ofensa a Deus nos nossos dias?

c) Compromissos
«Enquanto cristãos, à luz do Evangelho e da Doutrina Social da Igreja, temos a responsabilidade acrescida de participar na vida política e na edificação da comunidade. Somos chamados também a trazer à nossa oração todos os homens e mulheres que servem a política. Votar, de forma esclarecida e em consciência, é uma responsabilidade que decorre da vivência concreta da nossa fé no meio do mundo» (n.º 7).
Ser cristão - católico ainda mais - exige atenção aos outros e, sobretudo, aos mais frágeis. Que esperamos de cultivo de mais valores humanos daqueles em quem vamos dar o voto?

Queira Deus que a esperança seja revigorada nas consequências destas eleições.



António Sílvio Couto

quarta-feira, 6 de março de 2024

Apesar de tudo, voto sempre no mesmo

 

Na razoável lista de eleições a que fui chamado a votar, votei sempre no mesmo, desde as legislativas (normais ou antecipadas) até às europeias, das autárquicas até às presidenciais, sem esquecer os referendos. Claro que não vou nem devo dizer em quem, mas a minha escolha é única, mesmo quando os candidatos a sufragar não fossem os melhores. Vivi vitórias e derrotas, senti alegrias e deceções, pude sentir esperança no futuro e, noutros casos, alguma desilusão mais ou menos prolongada.

Os dias de ‘campanha eleitoral’ não passam de etapas de um certo folclore eivado de mentiras (mais ou menos subtis) e de propostas (promessas) inexequíveis.

1. Vejamos algumas questões quase intemporais – as eleições não esgotam, antes agudizam que haja modos diferentes de fazer – sobre a temática eleitoral:
- Slogans - alguns com quase cinquenta anos - como estes: Voto a arma do povo; votar - um direito, um dever; não deixei que outros escolham por si, vote; as ‘urnas’ são as verdadeiras sondagens;
- Ideias/sugestões possíveis: incrementar o voto obrigatório; penalizar (nas regalias sociais e de segurança social) quem não vota;
- Desafios para salvaguardar e revigorar a (dita) democracia: mudar o sistema eleitoral, vinculando eleitos e eleitores; ter a coragem de fazer de forma diferente o compromisso político geral e particular, mesmo através da forma de votar, como ‘voto eletrónico’ e outras formas que favoreçam a participação dos cidadãos.

2. Votar exige esclarecimento e não se pode quedar pela mera manifestação de exercer este direito quando se é chamado a fazê-lo. A cultura cívica é algo que nunca está acabada, antes tem de se acertar com novos critérios de esclarecimento e de escolha. A oscilação de tantos votantes de um para outro ato eleitoral dever-nos-ia inquietar, pois querer uma coisa agora e outra amanhã, ou divergir – nalgumas situações de forma contraditória – hoje do que pensava ontem não será abonatório de quem assim procede... mesmo que tente apresentar as ‘suas’ razões.

3. Seja qual for o resultado das eleições de 10 de março, continuaremos a ser mal servidos pelos concorrentes em disputa. De facto, a qualidade humana e cultural tem vindo a decrescer e o país caminha a olhos vistos para ser conduzido ou governado por figuras de terceira linha no conspeto nacional. Faltam-nos personagens que se dediquem ao bem comum por vocação e não por mero interesse. Escasseiam pessoas que põe ao serviço dos outros as qualidades e dons com que foram abençoados por Deus. A religião dos medíocres medra com tal fulgor que, em breve, teremos dificuldade em escolher quem seja colocado à frente das instituições…

4. Muitos dos que ainda andam na vida pública (política) enfermam de uma doença infeto-contagiosa: falam usando uma linguagem que só eles percebem, com termos arrevesados e em conceitos não-entendidos por todos. A onda de comunicação como que se fixou em pequenos clichés que é preciso saber desmontar para que chegue à população. Acima de tudo falta credibilidade nas palavras e nos atos, hoje como ontem.

5. É fundamental para o nosso futuro coletivo que, recolhidas as garras de uns contra os outros, se criem pontes com capacidade de envolver todos os cidadãos na vida da Nação. Basta de enfatizar as diferenças, pelo contrário, precisamos de aproveitar as faculdades de todos para sermos um país com futuro na Europa e no resto do mundo. Há coisas que só a vida ensina. Deixemo-nos conduzir pelas causas mais simples e mobilizadoras… o resto só serve para distrair!



6. A razão vencerá, mesmo que pareça que perdeu! Um país sinfonia cresce e avança…



António Sílvio Couto